De Mascates a Doutores: Sírios e Libaneses em São Paulo

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Líbano-Brasil
De Mascates a Doutores: Sírios e Libaneses em São Paulo

A sequência “voltar para casar/casar entre primos/casar no clube” associada a sucessivas gerações indica que, para os ricos, a mistura com nativos ou com outras etnias de imigrantes se processou mais lentamente do que para o restante da colônia. Para esta, o casamento fora da colônia aconteceu antes, muito provavelmente porque aí estiveram menos presentes as preocupações e pressões de uma vida social mais intensa. No dizer simplório de um entrevistado: “Pobre não tem muito este negócio de convivência social com a colônia”.

À medida que o século XX avançava, na sociedade paulista, a imagem de homens dedicados ao comércio se sobrepôs ao exotismo anteriormente associado aos costumes das populações orientais. Os sírios e os libaneses penetraram em todos os patamares da estrutura comercial da cidade, especializando-se naqueles ramos que atingiam diretamente o consumo popular.

Por que sendo os sírios e os libaneses agricultores em seus países de origem, se dedicaram à mascateação?

Por causa das diferenças da estrutura agrária do Oriente Médio e do Brasil: os sírios e os libaneses em seus países pertenciam a famílias de agricultores proprietários de pequenos lotes que trabalhavam em conjunto. No Brasil, o sistema era de grandes lavouras, e o fato de virem sozinhos e sem recursos os impediam de se estabelecerem como proprietários. Além disso, o fato de terem de se empregar como colonos não os agradava, principalmente, porque visavam lucros a curto prazo. É provável, também, que alguns imigrantes tivessem familiaridade com ofícios ligados ao artesanato em seu país de origem. Ou, ainda, que o comércio fosse uma atividade relativamente familiar para esses imigrantes, posto que seus países foram rotas obrigatórias de comércio entre o Ocidente e o Oriente.

A atividade de mascate era um bom começo. Não exigia grande conhecimento da língua e tinha-se a certeza de que, depois de um tempo relativamente curto, era possível acumular algum capital – o que não acontecia com os colonos e os operários. A mascateação era também vista como um trabalho provisório, um estado de passagem necessário à acumulação do primeiro capital.

O mascate constituiu a única base possível de identidade coletiva de uma colônia fragmentada entre diferentes religiões e regiões de origem.

Jorge Germanos revela que: “os patrícios vendedores ambulantes tinham que vender mais barato para pegar mais mercadorias; eles não podiam ficar carregando muita mercadoria de um lado para outro, sem vendê-las” (p.71).

A imigração sírio-libanesa, por ter sido provocada em parte por uma situação de conflitos incessantes que sempre beiraram a guerra civil, compreendeu, também, a vinda de famílias bem posicionadas econômica e culturalmente. Isto é interessante, porque se transplanta também uma pequena estrutura social à imagem e à semelhança da sociedade de origem, incluindo-se, aí, famílias cujos membros já tinham uma formação profissional definida. Estes profissionais liberais constituíam uma outra alternativa de ascensão socioeconômica trilhada com êxito por uma parcela significativa da colônia.

Sírios e libaneses, ainda nos seus países de origem, investiram com vigor na educação formal de seus filhos fazendo-os estudarem nas instituições de ensino fundadas por missões estrangeiras, sobretudo no Líbano, tais como a UAB – Universidade Americana de Beirute (conhecida antes da Primeira Guerra Mundial como Colégio Protestante Sírio), com estágios na Europa e nos Estados Unidos; e a Universidade São José, dirigida por jesuítas franceses.

Tendo como carro-chefe os cursos de Medicina e de Ciências e Letras, a Universidade Americana de Beirute formou profissionais altamente competentes que mais tarde emigraram para as Américas. Esses profissionais estavam mais capacitados do que aqueles formados pela Universidade de Damasco, na Síria. Isso porque os cursos na Universidade Americana de Beirute eram ministrados em inglês desde 1822, e seus alunos aprendiam também o francês, o árabe e o turco, ao passo que na Universidade de Damasco os cursos eram ministrados em árabe.

A Universidade Americana de Beirute era tão importante para os libaneses que, em 1922, seus ex-alunos no Brasil fundaram a Associação de Ex-Alunos da Universidade Americana de Beirute. O número de sócios em São Paulo era de aproximadamente 70 de um total de 100 em todo o país.

Do pequeno comércio às profissões liberais, a repetição das carreiras passou por dois níveis consideráveis: 1º) a família nuclear (pessoas que vivem em geral na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos); 2º) aquele em que atua a família ampliada (grupo de indivíduos que professam o mesmo credo, têm os mesmos interesses, a mesma profissão e são do mesmo lugar de origem).

No Brasil, as faculdades mais procuradas pelos filhos dos imigrantes eram: a Escola Politécnica, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Medicina (Universidade de São Paulo) e Engenharia Mackenzie. Um curso também muito procurado era o de Contabilidade na Escola de Comércio Álvares Penteado. Este por razões óbvias.

A história social da colônia árabe evidencia a conquista de um setor comercial importante na São Paulo das primeiras décadas do século e, com isso, a entrada maciça dos filhos de imigrantes no mercado de profissionais liberais. Em 1991, o Conselho Deliberativo do Hospital das Clínicas, composto por cinco titulares, contava com quatro descendentes da colônia sírio-libanesa.

Foram esses imigrantes sírios e libaneses cada vez mais bem situados no ranking dos profissionais liberais que revolucionaram a sociedade paulista introduzindo, já no início do século e com mais força após 1930, uma gama bastante extensa e diferenciada de posições intermediárias na estrutura social urbana, deixando de lado uma sociedade agrária em declínio.

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